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Gestos Movie Cycle
(Session Curator)
(2 photos / 901 words)
(Movie Cycle at Galeria Zé dos Bois)
(2021)
Frame do filme "A Entrevista" de Helena Solberg.
Portuguese Version
“Desejo o pronto retorno da minha voz.”
Diários de Marie Bashkirtseff, 1877
O
caminho para a casa parece sempre um caminho difícil. Longo, representado pela floresta na
qual as personagens se perdem - mas a qual retornam sempre. Repetitivo, representado nas
lancheiras vazias dos trabalhadores que deixam a fábrica - sabendo que o dia seguinte
traçará os exatos mesmos passos. Ensaiado, representado no vestido de noiva que é desfilado
por um salão - como se quem o veste interessasse menos do que aquilo que é vestido. Um
caminho que ilumina a ideia de que ele é, em si, mais importante do que quem o percorre.
Mudam as personagens, mas ele é sempre o mesmo, e são os mesmos passos domesticados os que
sempre o traçam.
Em três narrativas, de tempos e espaços muito distintos entre si,
vêm a nós sujeitos alegóricos que carregam em si o peso de toda uma experiência humana. O
peso de terem seus corpos apropriados em gestos pensados por outras cabeças, atravessados
por um propósito social que lhes é alheio. A família, a rotina doméstica, o casamento, o
trabalho, os papéis sociais são todos eles elementos de uma vivência que ultrapassa a esfera
individual, que aproxima as personagens de Le Révélateur, de Philippe Garrel, de A
Entrevista, de Helena Solberg e de Exit, de Sharon Lockhart. O ponto de encontro aqui não
está no indivíduo, mas na sociedade que o cerca, que o delimita - e que projeta sobre seus
corpos as suas vontades ideais.
E que sociedade é essa nos interessa menos aqui, do
que os efeitos pelos quais ela coloniza esses corpos. E, nas três narrativas, faz com que
eles se tornem mera extensão física de si: ideal corpóreo de uma realidade universalizada.
São essas impressões de um ideal social sobre os indivíduos que nos vêm evidenciadas por
essas narrativas. Mesmo em linguagens bastante díspares, são elas que se sobressaem, que
atam as personagens entre si. Seus gestos, os quais sonhamos terem sido outrora livres,
expressam o ideal do corpo-social. Teatralizados, ensaiados ou domesticados, seguem roteiros
que não foram escritos pelo indivíduo. É possível sentar e assistir a essa sessão projetando
na mãe de Philippe Garrel, a noiva de Helena Solberg; no pai, os trabalhadores de Sharon
Lockhart.
Porém, histórias assim, que exigem tal designação devota, trazem em si o
gérmen da dissidência. Do descaso, da inequação - mesmo que em fases ainda embrionárias.
Como disse Alice Walker, em À procura dos Jardins de Nossas Mães, 'importa menos o
que você cantou e mais o que você manteve viva, (…) a ideia de canção'. Sendo assim, e
pegando emprestadas essas sábias palavras, importa menos o que vemos em frente de nós, nas
imagens projetadas de gestos domesticados, e mais o que esses filmes mantêm vivo: o desejo
de conflito.
Frame from the film "EXIT" by Sharon Lockhart.